terça-feira, 27 de abril de 2010

Mulheres indomáveis: viciar-se para salvação.


"Entre as cortinas e a poeira de um teatro antigo, um grupo de jovens atores se reunem para ensaiar uma mistura das suas idéias com um pouco de lixo cenico. O grupo é composto por dois atores e uma atriz. Que infelizmente se apaixona pelos dois.
Os homens não demonstram sentimento algum, nem ela. Mas o problema é que ela sente... castrando-se da possibilidade de ficar com os dois, decide escolher um, estipula uma meta de um mês para ponderar qualidades, defeitos, afinidades.
O primeiro era mais velho, experiente. Tinha uma voz grossa e imponente, quando a pegava em cena era com muita brutalidade, másculo. Ela via proteção nele, mas também uma agrecividade de personalidade incrível, a paixão por ele era devastadora. Se fosse imaginar como seria o sexo, seria selvagem. Seriam naturalistas, animais.
O segundo era mais... sensível. Calmo, voz mais branda. E ele não era carne, não só carne, era sentimento. Pra ele, e por ele, ela guardaria as lágrimas, as pétalas, os perfumes. Guardaria seu beijo, seus olhos, seu amor. Não o seu ventre. Ela o via quase imaculado, mas também o via distante.
Teve, inegavelmente, casos com os dois. Um a possuiu nos braços, o outro no coração. Após um mês de orgias, álcool, inquietude.. ela decidiu-se pelo segundo. Estava disposta a entregar as fichas, abrir mão do primeiro e de todo o resto por ele.
Final feliz? Não. E não era feliz por que a distancia era continua, constante. Ele sabia que podia possui-la, que a dominara. Mas parecia não querer. Antes de entrarem em cena se davam uns beijos sem a entrega dele, nas cochias, e a pressa pra que acabasse era evidente. Inconformada, ela saia do teatro todos os dias chorando, fumava um ou cinco cigarros e voltava reconstruida, decidida de novo a tentar conquista-lo. Inútil, todas suas tentativas eram seguidas por uma distancia ainda maior. Então porque ele não dizia que não a queria, por que não a negava mas também não a aceitava de vez?
Os meses passavam e tudo o que ela recebia era uma migalha da sua atenção. Um dia resolveu ir embora mais cedo e eles ficariam ensaiando. Lá fora estava chuvendo forte, e o frio fazia até os ossos tremerem, enquanto andava na rua admirou casais de namorados que se esquentavam e protegiam-se. Uma súbita vontade de estar perto dele, e de cobrar tudo aquilo apoderou-se dela, deu meia volta e foi correndo para o teatro. Tanta raiva que nem sentia mais o frio.
Chegou no teatro, ouviu gritos de prazer. Orgasmos auditiveis. Que estranho... foi entrando, devagar agora, por que a curiosidade tomara suas rédeas. Entre olhou pela cortina lateral e ponto. Choque, choque, choque. Absurdo, absurdo, absurdo. Desejo de vomitar, embrulho do estomago, lágrimas, boca entreaberta.
Estavam os dois se amando, se desejando. Mordidas, beijos, agressão. Penetração. Falavam juras de amor e sacanagens ao pé do ouvido. Riam da sua desgraça, riam de como fora tola, ingenua. Falavam 'ela acreditava mesmo que poderia usar nós dois, veja só quem foi usada'. E riam, um riso que penetrava sua mente, corroendo primeiro seu celebro, passando para sua garganta e triturando suas tripas e seu coração. Esses risos seriam eternos, enquanto ela vivesse.
Saiu de la, quase arrastada, por que não aguentaria mais um segundo. E tudo fez sentido. TUDO. Ele só estava com ela para uma autoafirmação, uma maneira de mostrar para uma sociedade hipócrita o quanto que ele mesmo era ridiculo. Não a amava, nunca amara. Os beijos eram rápidos para não incomodar o outro, que era cumplice. E na sua mínima distração, eles guardavam todo amor que não podiam dar a ela. E riam, riam, riam.
Nunca mais voltaria aquele teatro, nem aquela cidade, nem a nem um dos dois. Foi o que pensou da primeira vez. Mas, no dia seguinte acordou vestiu sua roupa, e foi ensaiar. Fingiu que nada tinha acontecido, fez as cenas e simplesmente os ignorou, a sua profissão estava acima disso tudo.
Anos depois ela dizia em aulas que ministrava a adolescentes 'Não se apaixonem por pessoas. Se apaixonem pelo teatro' e pensava 'poupem seu sofrimento'.
A hipocrisia domina tudo quando você se deixa levar, é viciante. Heroína, hipocrísia. Heroinisa."

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